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quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

...uma breve prévia de um livro nunca lançado (inédito)

......."A memória deve se assemelhar um deserto de grãos cristalinos, onde enterro meus fantasmas fósseis sem a menor chance. Suas hastes pontiagudas e muito brancas ficam arranhando a superfície de areia fofa, latejando sob a luz da inútil visão. Às vezes, porque me perturbam, desenterro-os e vou levando, um a um de seus vastos esqueletos para outro deserto mais próximo e os exponho como numa feira livre. Cansa-me o seu peso, a estatura, enojam-me suas cicatrizes frias e afiadas. Então, as pessoas se voltam, querendo tocá-los, perguntando coisas. Chegam a rir, mas não os entendem. Em momento algum, conseguem compreendê-los.
........."Tomou o elevador e desceu no 5.o andar. As paredes sujas e azuis guardavam marcas antigas. Dirigindo-se à portaria viu que pouca coisa mudara. Naquela época o porteiro tinha bigodes morenos, falha nos dentes, coxas grossas e o sorriso pela metade na boca maliciosa. Mas era um sujeito agradável, ingênuo quase. Fora despedido um mês antes da colação de grau. Agora, ninguém estava ali para inspecionar visitantes. A mesma porta larga, sem pintura, aberta ao zum-zum dos alunos.
.........."O que há de extraordinário num tipo? O que me leva a idealizar uma pessoa, tanto e a tal ponto que, ainda que ela me pareça comum, frágil, mais a realço com as coisas do meu próprio espírito. mantenho sua figura atada aos meus pés e mãos, como se uma força constante a imantasse estranhamente...." inverno de 1982

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