sexta-feira, 15 de maio de 2009

soluços etílicos (por um acaso, bebíveis...)

era uma parreira de uva
assim, como quem não quer nada
só ornamental
terreiro de pedra bruta
(existe pedra suave?)...
quintal
passarinho
uma intimidade
pendurada.
Para isso serve varal.
Aproxime seu olho nu
curioso
anal
(ou quem vai saber - e se interessar - oral...?)
focalize sua imaginação
sem nenhuma imaginação...
v^o qu^?
Não viu duas letrinhas....
Vou contar: havia um vinho chileno,
delicioso,
tinto.
Lagosta,
pimentinha,
umas invenções
ã mostra,
incríveis...
Tudo terreno
daqui até
as outras dimensões.

violáceo violino educado adequadamente (ai, caiu o retrato da nona da parede cheia de mofo....)

acordes
indeléveis
perfeitos
me acorde
de leve
estou com defeito

arranha-gato

Quer saber?...
eu não
quer fazer?...
me dispense
quer acontecer?...
sarei
quer morrer?...
desanimei
Quer quebrar?...
tô na maresia
Quer diluir?...
gelei
Quer refazer...?
conte seus caquinhos
quer consertar?...
rezo..
quer polemizar?..
nem discuto
quer o horizonte?...
ah, olhe a lua
quer o mundo?..
olho redondamente
ao redor
ao redor
ao redor.

Via crucis de quem não engatinha..., como meu pai e a lima da pérsia




Parece que tudo está impregnado de preconceitos,

por todos os poros meridianos.

O século XX, infelizmente, não foi solúvel em água

- era o desejo de alguns milhões de terrestres (incluindo-me).

O século XXI, provavelmente, não será tão volátil quanto os mesmos milhões de outros nós

desejam

(excluindo-me).

Algum de vós sabeis se engatinhas?

Lembro-me de outros engatinhando.

Eu mesma não. Não me lembro.
Mora em mim uma nova memória antiga

....É uma rica passagem de quintal de infância ,

na Costa Machado 387,

do primeiro de quatro Zés mais famosos do planeta,

o Fagiolo, que pilotava sua pequena oficina eletromecânica,

como um imenso laboratório de faz-se e conserta-se tudo.

Since 1949.

Para minha existência, um oásis e um universo particulares,

ceifados, como ele o foi.

Numa de suas raras e inesperadas conversas ,

em súbito intervalo para descanso do trabalho com afinco,

Zé Fagiolo sentava-se, numas tardes,

no primeiro degrau de uma pequena escada que fazia o acesso de um corredorzinho com mureta e jardineira

(plantados salsinha, alpiste e hortelã) ,

saindo da cozinha e da sala de estar

para o quintal com chão de tijolos,

pegava uma Lima da Pérsia

descascava-a com a unha manchada de graxa,

partindo do fim para o começo da fruta

e lá ia explicando as boas e nutritivas propriedades:

clareava os dentes, limpava os rins, tonificava o sangue,

sabor de saber que passava de pai para filhos -

cada qual tinha que ter um pezinho da bendita -

mas , não era para engolir o bagaço,

que amargava na boca depois de mastigado.

"Cuspa fora".

Era o jeito do Zé, que , na vida, ao invés de cuspir o

amargo,

engolira-o.
Filho de italianos imigrantes( junção marítima-atlântica de um convés congregando semelhantes de norte e sul ,à êsmo , no início do século XX)

dedilhava otimamente um violão apenas de ouvido:

Por que uma Lima da Pérsia?

... Sei lá .

2004 nada cordial

Como dar um passo além?
Um cão late à noite,

Lá adiante, como se fosse aqui
Animal.
Sem eira.
Está frio.
Uma superfície mensal.
É fim de maio.
21 horas, sexta-feira.
Soturno
O tempo parece confuso.
As notícias de agora pioram.
O mundo em TV tem efeitos colaterais.
Por ora não há música.
Aqui fora, um léu, um breu, um céu.
Noturno.

Luccia d. Troya

Fábula do papagaio testamenteiro (segundo início do começo)

MOOG E ROMEU (14/10/2003 - 10:45) São Paulo


Ali mesmo, na Alameda Santos com a Rua Pamplona , era 1976.
Do 16.o andar, apartamento 1612, via-se o Parque Trianon , a praça Alexandre de Gusmão, o Dante Alighieri, filas duplas de mães e seus filhos barulhentos, espaçosos, bem amparados, predominando além de simples quadriláteros urbanos.
Em dois quartos, sala, banheiro, cozinha , mais areazinha de serviço, ardia na frigideira uma omelete francesa, à la Paulo - fotógrafo dos Shopping e City News, que dirigia um karman-ghia preto, o famoso patinho feio .A fritada exigia cuidado e capricho, mesmo no instantâneo da fome. Era o que havia na geladeira: nada além de ovos, mussarela, salsinha, leite, ingredientes reféns de uma tarde de sexta-feira paulistana. Após bater gemas e claras com um garfo e no pulso, sem muitas bolhas de ar, um fio de óleo preparava o recipiente aceso para assar o líquido denso, leitoso, já tomando ares de panqueca cremosa - sobre ela esfarelava-se grosseiramente o queijo, mais atraente ao ser polvilhada com um susto de cheiro-verde , rasgos minúsculos de cebola, ambos os lados crestados igual e cautelosamente, moldada no fundo e nas bordas. Pronta, era só rocamboleá-la, então, num gesto de ousadia e digno de malabarista. Que ficava apenas na imitação de algum gourmet.
Bem diferente , acontecia lá fora, na vertiginosa Avenida Paulista, um emaranhado de veículos e luzes, vitrines do dia e da noite, ininterruptas, cruzando ares tradicionais e modernos, a voracidade de transeuntes e ônibus monoblocos, pesados , que faziam a mentirosa simbiose entre um destino e outros. O meu era a Fundação Cásper Líbero, ali, pertinho do desencontro comigo mesma. À tiracolo , o proseio incessante de José Riviti, intraduzível melhor amigo, paulistano-mor.
No ar, buzinas e ronco de motores , óleo diesel, esgoto, patchouli e almíscar.
No anoitecer, antes de chegar à Al. Eugênio de Lima, ao chopp e às mesas na calçada, feito oásis à beira de estacionamentos itinerantes, forrávamos a ansiedade com mostarda e molho tártaro, próprios da mini-lanchonete MOOG, um corredorzinho espremido e à salvo na Rua Pamplona - famoso no pedaço - balcão grudado com banquetas e mesinhas rentes à parede-vagão. Não mais que 18h e lá estava estalando o sanduíche de pão grosso, quente, queijo derretido , na chapa, escapando tomates e alface, um luxo para uma interiorana , nascida à beira do rio pardo, experimentando, então, o melhor do cardápio, que incluía maionese.
O som de São Paulo, ouvíamos através da eclética Eldorado FM . Sintonia que se dava de repente, sem chance para estranhezas e arrependimentos. Na Jovem Pan, uma voz alegre iniciava a programação com o inusitado " Saint Paul du mon petit coeur..." e a cidade prevalecia, com o refrão do ano: "amanhece trabalhando, não sabe adormecer..."
Tudo o que eu queria era dormir até tarde, descer para o térreo sem interrupções, ver o metrô inaugurar uma década , chegar à Praça da Sé sem penitências pessoais e razoáveis, seguir até a Mooca , olhando a proa da via Alcântara Machado. Em pé, no monobloco coletivo , Mercedes-Benz, pela Brigadeiro Luís Antônio, Av. Liberdade , não havia pausa para o frango xadrez ; depois , Praça João Mendes Jr. e só pensava no Almanara, Largo do Arouche, charutinho de folha de uva .
Era natural também espichar-se o tempo até a esquina da Consolação com a dr. Arnaldo - Baguete à vista - um fôlego na madrugada, depois de quase tudo, recheado com tenras fatias de presunto. Comia-se em pé, os cotovelos apoiados nas mesinhas de pouca circunferência e altas.
Ao lado, o furtivo assanhava-se no Nuestro Mondo .
A metrópole fervia com seis milhões de habitantes e já era muito. A cidade , aleatoriamente, mudava a minha história de lugar. Bastava eu dormir e acordar, lá estava São Paulo onde não estava antes. E assim sucessivamente.
Um dia fui ao restaurante Brahma. Uma atmosfera antiga e vermelha, cadeiras almofadadas, com cheiro de cigarro e bebida, cuja decadência era o que mais atraía. Lembro-me de Arruda Camargo, grossas e despenteadas sobrancelhas brancas, timoneiro do velho jornalismo paulistano, abrindo espaço no salão vazio para que degustássemos uma iguaria da gastronomia alemã: joelho de porco e salsichão branco, acompanhados de purê de batata ao molho páprica, suando cervejas geladas , que derretiam provincianismos latentes. Pelo menos por algumas horas...
Do outro lado, na Lapa, Libânia, madrinha familiar lá da rua Bandin 33, City, rendia , na travessa de louça ovalada, tenras alcachofras , recheadas imediatamente com miolo de pão banhado em azeite , pedacinhos de salsa, acrescidas de segredinhos de tempero bem somados delicadamente , pétala por pétala, já cozidas sem exagero. Depois, só desfolhar o inesquecível.
Retornar ao apartamento no Cerqueira César ,à noite, era uma Tv em preto e branco. Como os grandes gibis nas bancas. No apartamento ao lado, Odete, ex-modelo de Dener, referia-se a todo mundo como "pessoa", senhora de voz potente e amiga também de Perinha, com vestidões floridos, unhas exageradas e uma longa prosa ao caldo de café e cigarro. Ela foi nossa intérprete junto à Lella Lombardi , no Hilton, porque falava italiano e Marta e eu tínhamos que entrevistar a única piloto de Fórmula Um , filha de açougueiros, para o Shopping/CityNews.
No ano, incandescentes eram as numerosas salas de cinema, assediadas quase que diariamente. As melhores estréias inauguravam longas filas, pulverizadas em sessões contínuas.
Shows e teatros alimentavam mentes vorazes, que consumiam estranhas peças e musicais inesperados. O elenco despejava em nossos colos Tide Nogueira, José Celso Martinez Correa, Bethânia, Gal, Caetano, Gil, Rita Lee, Lúcia Turnbull , Fagner, Ednardo, Belchior e Cida Moreira.
Elis foi um capítulo à parte, junto à casa de psicotransoterapia, um surto da época, com Roberto Freire, Miriam Muniz e Sílvio. Ruth Escobar lá também deixou suas nuances .
A cidade em cartaz oferecia rumos após cada espetáculo. Era como se a metrópole paulistana tivesse mesa cativa na Cantina do Amico Piolim, no avarandado do Planeta e o batismo da cultura só se realizasse no quadrilátero da Praça Franklin Roosevelt, ao som de Alice Cooper .
No Opala verde-limão, com máscara preta, Maurílio -Burguer dirigia nosso grupo.
Aos náufragos da madrugada, como o anjo barroco Antônio Novaes, Dú -Jundiaí, Willian - dr. Pêssame, desapartados dos privilegiados redutos intelectuais da parada, permanecia o plantão do Mais Um e Eduardo's , forrando as calçadas com mesas e seres bizarros, recém-saídos de algum lugar inimaginável, mas por dentro de tudo ao redor. Confundiam-se e nos confundiam. Eram e não eram famosos, artistas, ilustres, vagais, geniais.
Não distante, entretanto, das ruas Martinho Prado, Avanhandava, Augusta e Santo Antônio, conhecidas pela dupla mão , abertas ao conhecimento e ao novo, ainda assombravam a todos , acintosamente , os porões militares da brutalidade, da tortura e do atraso. Tautologia, dizia-se , na época. Um imenso contraste, que aterrorizava num silêncio covarde, surpreendente e ameaçador. Inútil.
Logo mais, na rua Bela Cintra, deslumbravam e desbundavam o pânico , indescritíveis freqüentadores da Boate Medieval.
Afora, muitas noites adentro , descendo os seis andares desde a Cásper Líbero, ficávamos acuados no amplo pátio de entrada do Gazeta, olhando as escadarias iluminadas pelas luzes das viaturas que surgiam repentina e perversamente na Avenida, sirenes ligadas. Nada além deles. Tudo além de nós. Os corações disparavam.
À pé, duas quadras e meia, estávamos em casa. Meia-noite. Madrugada inteira. Era difícil voltar ao normal. Era insuportável ser normal.
No outro dia, de novo, a cidade estava em seu ritmo frenético , impessoal, incessante.
Uma boa perspectiva era ir à Pizzaria do ROMEU, ex- jogador do Palmeiras, numa concentração de energias para o final de tarde, ouvindo tangos e boleros, após o trabalho na Rua Dr. Almeida Lima, à bordo do troleibus linha 305, ou regressando da faculdade noturna de Jornalismo. Viram ali o Ademir da Ghia ?
Hoje, em Ribeirão Preto, percebo o quanto ainda vivo, respiro, durmo e acordo São Paulo.
O sobressalto do passado, que ultrapassa o presente e , correndo de costas, verte frontalmente a contemporaneidade para o futuro , é um assunto paulistano para mais 450 anos, com certeza.