sábado, 31 de março de 2012

Circos e zoológicos, qual a graça, e a lógica?


Idi Amin no pan-óptico



EULÀLIA JORDÀ-POBLET
Médica e ambientalista - eulaliafjp@hotmail.com




Toda a vida do gorila negro nomeado burlescamente de "Idi Amin" transcorreu como um espetáculo para a população da cidade de Belo Horizonte. Paradoxalmente, ele nunca conheceu seus edifícios por ser cativo de um decadente presídio chamado zoológico.
Nessa peça, quase todos desfilam como figurantes, divertindo-se, mesmo que por ingenuidade, com a desgraça do grande símio condenado a cumprir o papel de bufão. Com sua morte, a tragicomédia interrompeu-se, deixando uma pergunta vir à tona: de onde teria vindo esse estrangeiro?
Sua documentação apresentou-se incompleta, como reportado em jornal local. Algo comum entre as vítimas de tráfico. Supõe-se que tenha nascido por volta de 1973 em algum lugar da floresta equatorial do Congo - lugar onde a proteção dos animais nunca foi prioridade -, de onde teria sido levado para um zoológico francês. De lá teria sido negociado como um escravo e trazido para Belo Horizonte.
Chegou a essa sua derradeira prisão, da qual nunca mais iria sair, com dois anos de idade. Cumpriu pena maior do que a máxima para os animais humanos que cometeram crimes gravíssimos: 39 anos.
Pela lei das probabilidades, sua mãe deve ter sido morta por caçadores, ocasião em que deve ter se agarrado ao corpo inerte, tornando-se presa fácil para os traficantes oficiais e não oficiais. Essa história nebulosa é cuidadosamente omitida, criando-se o álibi de que o zoológico é um lugar importante para a "preservação das espécies".
Não só "Idi Amin" foi um dos sofridos bebês gorila afastados precocemente de suas mães, mas também "Dada" e "Cleópatra", falecidas com pouco tempo de chegadas à sociedade do espetáculo. Pudera! Como ele, tiveram que enfrentar o sequestro e as mudanças de cárcere para cárcere; a ausência do aleitamento materno - que costuma, em condições normais, chegar aos 3 anos de idade -; deficiências imunitárias geradas pelo estresse; a barbárie do transporte; o isolamento da sua sociedade de gorilas e da planície africana; o banzo; e, finalizando, a superexposição em ambiente estranho.
"Idi Amin", milagrosamente, sobreviveu, mas perdeu em cheio para o tédio, simbolizado por seu melancólico pneu sempre a tiracolo. Como os demais gorilas em cativeiro, tornou-se tímido, ensimesmado; apegou-se aos tratadores, numa espécie de síndrome de Estocolmo, aquela na qual a vítima, em uma estratégia de sobrevivência, identifica-se com seu captor.
A lógica dos zoológicos obrigou "Idi Amin" a viver em um pan-óptico, a se mover durante toda a sua vida em uma arena circular, onde, de qualquer ponto escolhido, o visitante inoportuno pudesse visualizá-lo. Colocado no centro de risos, caretas, sons incompreensíveis, diariamente, o gorila foi massacrado até tornar-se uma caricatura de si mesmo. Agora, com a cadeira de bobo da corte vaga, ainda querem trazer outro gorila para perpetuar o círculo vicioso dessa tradição nefasta.






(Publicado no jornal O Tempo, BH, MG 19/03/2012)

quinta-feira, 29 de março de 2012

A pedra, o espinho, a água

Se carregas teu mundo nos ombros



andas cambaleante e trôpego pelo caminho



acordas, teu sono é um farol gigante


apagado



que levas a alimentar as sombras



do teu gesto arrogante



se te escondes debaixo de tua vida de escombros



Tu és teu próprio espinho


em tua vida errante



Se tropeças carregando tua bagagem pelos atalhos


arrastas-te pesada e ofegantemente



tua própria luz ao fundo te levas



escondes a tua mentira numa verdade


qualquer



espelhas-te no alheio





Em pé na areia cediça


dizes que és uma pena


e pesas feito pedra



Levantas teus braços e pedes ajuda



juntas tuas mãos vazias e impuras



limpa-as como à tua alma ferida



não sabes a medida de teu barco que navega



em chão e enganas teu próximo



gemendo como se te afogasses em água


seca



segunda-feira, 26 de março de 2012

Casa simples

Nasci em uma delas

Quintal com manga espada

e jambo

Uma casa limpa

dois quartos

duas salas

uma copa

cozinha e banheiro

Janelas rentes à calçada

A carroça que entregava pães

à cinco da manhã

O guarda noturno apitava

de hora em hora

Radio AM e vitrola

Telefone com quatro números

Telefonista para interurbano

A casa, muito simples, era até espaçosa

confortável

Mas, nós, não.

Faz tempo

e não faz

quinta-feira, 22 de março de 2012

O silêncio melódico da Luz que canta

Sentir e dançar

o som do invisível


que cobre de cores


a escuridão

os de alma e espírito enlevados


aqueles dedicados


e serenos


ante o trovão da eternidade






quinta-feira, 8 de março de 2012

Imagine, hoje é o Dia da Mulher. Por que?

O que ela fez de tão grandioso




ou rico




ou heróico




ou abnegado




ou de tal valia para a humanidade




que merece Ser este dia?




Dupla jornada




mal amada




mal respeitada




feia ou gorda




lavadeira




faxineira




secretária


cientista


especializada


professora


diretora


engenheira


médica


astronauta


assediada


espancada


o jantar não estava pronto


os filhos não estavam limpos


a casa nào estava arrumada


a amante não foi bem digerida


o fóra não foi bem aceito


o bafo de cachaça não foi bem aceito


enfim, ela fechou as pernas


Mas, tudo porque é mulher


e é mãe


E também não é mais um abjeto.


Levantou, arrumou a cama, fez o café e foi à rua


Arrumou um trabalho e evoluiu.


Deu e pagou contas


Um dia?


Merecem toda as VIDAS


Por tê-las e criarem-nas


Sem procriar!

quarta-feira, 7 de março de 2012

Dieta espiritual infalível contra o câncer de próstata, impotência , cobrança de pênaltis e outros males masculinos, como calvicie e abdômen volumoso


- Amar a Deus sobre todas as coisas.
Não é preciso morar na cobertura, do chão mesmo, pode se render à Deus, sem gimbas e garrafas de cerveja, só no xixi
2º - Não invocar o nome de Deus em vão.
Que chatice toda hora pedindo Deus me ajude, Deus me ajude. Nem sua mãe aguenta, imagine seu vizinho.Lave sua cueca e vá passear com o cachorro
3º - Guardar domingos e festas
Que saco, domingo é dia de curar a ressaca. Fica quietinho aí no seu canto e dorme! Esqueça a merda do seu time e a vizinha do 38
4º - Honrar pai e mãe.
Claro, desde que você saiba quem eles são e você saiba quem é.
5º - Não matar
Pelo amor de Deus, guarda esse revolver, porque você não sabe atirar e vai fuder tudo
6º - Não pecar contra a castidade.
Isso mesmo, vá sorumbar sua marola lá no mato e se fizer na sua cama, lave os lençóis, seu porco
7º - Não roubar
Para quê, se tem a sua mesada e seu salário? Quer ficar obeso, desgraçado?!
8º - Não levantar falso testemunho
Seu mentiroso de uma figa. Vá dedar outro.
9º - Não desejar a mulher do próximo
Aí, fica embaçando a felicidade dos outros. Batalhe a sua. Quer adotar também os filhinhos dela, pagar a conta de luz, mané?
10º - Não cobiçar as coisas alheias
Nem vem que não tem, sacou? Vá trabalhar, vagabundo!

terça-feira, 6 de março de 2012

Sua página em branco

Escreva-se

Diga como você é

Do que gosta

Do que detesta

Diga do seu jeito

À sua maneira

O que veste no seu corpo

O seu andar

Se esconde?

Onde você está?

Escreva sobre os seus olhos

Sua língua, fala o quê?

Seus gestos

Seu perfume

Sua aula

Seu trabalho

Sua casa, seu apto

Seu lar

Seu esconderijo

Escreva sobre suas unhas

Seus sapatos

Suas manias

O que você come?

O que você lê?

Suas desilusões

Suas crenças

Escreva sobre seu nariz

Sua cama

seu lápis

Sua caneta

Você se desenha?

Escreva sobre seu cabelo

Você varre o seu espaço?

Tem 'bichinho' de estimação?

Você pega ônibus?

Anda a pé

Pega trem

Briga?

Você se vê no espalho

como se vê?

Sabe beijar?

Diga aí, escreva-se


domingo, 4 de março de 2012

Por que não olhamos mais as belezas do Planeta?

Outros fazem pior: miram e atiram



Querem destruí-las



A que propósito?



Porque fechamos nossos olhos?



Um jardim, uma praça



um grilo



uma borboleta



paturi, quero-quero



lagarto tiu



um riacho



um lambari



um bagre



curimbatá



dourado, mandi



uma floresta



uma cachoeira



uma montanha




o vulcão



até mesmo a fileira de árvores no outono



suas folhas secas no chão



as sementes que caem e estalam ao sol



a areia ardente dos desertos



as dunas



as ondas do mar



os paredões rochosos



a neve que desenha horizontes tão delicadamente



como intangíveis



uma gaivota



um pelicano



um marlin espadachim



uma cachalote



um jabuti



um bicho preguiça



gorila



panda



tigres



elefantes



girafas



leopardo



a savana



o cerrado



o pântano



o charco



a geleira



nuvens e vento



Não olhamos mais as belezas da Terra



Por que?






sábado, 3 de março de 2012

Destinos contrários tão iguais

A vida é o seu destino
Seu destino é a vida
como gêmeos da felicidade
e infelicidade
se é que há gêmeos da tristeza e da alegria
nada combina
com a fatalidade
senão o caminho das escolhas
nada mais que isso
olha o espelho
da temporalidade
gêmeos não são gêmeos de verdade
apenas combinam na oportunidade
é o ser em duplicidade
é o ser que divide a metade
incompleta
quase perfeita
O destino é a face inteira
confessa
que a vida expressa
em você
olha com e nos dois olhos
não em um só
e deixa
impressa
a única via destra e mestra
do caminho que lhe atravessa
borda sua imagem
no espelho
avesso, esquerdo
direito e torto
senão a sua própria miragem
senão um eu de si mesmo
a margem e o esmo
do erro e acerto